18 de dez. de 2009

tic-tac-tac

enquanto ela espera o mundo inteiro fica inerte.
o tempo briga com ela.
e a noite nunca passa.

6 de dez. de 2009

Espera

Fechava bem devagar os olhos, enquanto colocava pra fora a fumaça do cigarro misturada com uma certa inquietude que tentava deixar de lado. Pela janela via apenas os faróis dos carros, piscando silenciosamente. Era avessa ao caos e a chuva daquela noite, então fechava os olhos.
Porque a inocência dos apaixonados existe, logo existe quem sofra pela paixão. Esperava e esperava, mesmo sabendo que ninguém chegaria. Cada batida de salto nas escadas em frente a porta aceleram-na toda, mas ninguém entra. Suaves febres a entontecem, o corpo vacila. Não chora, porém sabe da dor que esconde. Olha pela última vez através do vidro manchado da janela. A chuva não cessa, os carros não andam. Ninguém chega.

1 de dez. de 2009

Macabea que Não Era

Lá permanecia ela, sentada na janela do 12º andar, contra a vontade do mundo. Esquecendo o seu medo de altura. De que haveria ela de ter medo agora? Não sabia voar, não era ave, deusa ou heroína. Era uma mulher, simples e mulher.
Sentia o vento frio cortando seu rosto, sentia também as dores de todas as outras mulheres. Não nascera para mártir, mas se estava viva era porque tinha sede. Sede de que? Nem ela sabia.
Só sabia que gostava de Clarice, mas isso não fazia dela Macabea. Mas também, quem capaz de balançar os pés de tal altura tem tempo para pensar em pessoas que não existiram de fato?
Ela pensava em coisas reais, porém intangíveis, inefáveis. Pensava naquelas coisas que a faziam amolecer, naquele sentimento que abandonou no elevador. Não pensava no amor, o amor em nada combinava com ela. Era alérgica a flores.
Na verdade, mas do que medo de altura, tinha medo de cair. Só que tinha medo de cair na maravilha de alguém. Tinha medo do tal amor. E por isso só olhava pelo parapeito a cidade tão pequenina embaixo dela. E ela? Ela era azul. Azul e sozinha.

11 de nov. de 2009

Canteiro Amarelo por Marcelo Novaes

Bom, recebi um comentário belissimo, e acho que é minha obrigação posta-lo:

"Só os galos para bicarem tuas canelas nesses canteiros amarelos. Sim, tu és a musa dos amores simbióticos. Se partem, é um sufoco. Ou falta-lhe o ar. Se ficam, você se perde em outros olhos. Oh sim, como é bonito. Essa coisa de confundir os lábios e se ver falando em eco, como ventríloquo. Perdoe-me o erro: como boneco. Essa coisa da lua ensolarar teu deserto. Do contrário, a mais abjeta solidão e insulamento. És só na península. [Quando ela está por perto, és sol]. E o mundo é ínfimo sem a pele dele ou dela. Claro. Gênero de primeira necessidade. Você se perde [e tu te perdes] na solidão dessa nave. E tuas mãos tremem. É triste como a lua se perdendo de ser sol minguando, é como desfalecer pouco a pouco. Claro. [E nebuloso]. Felizmente, enchi de galos esses canteiros amarelos pra você para de ouvir com os olhos. E pensar com os joelhos"

Marcelo Novaes:
http://www.blogger.com/profile/11209737711648527795

4 de nov. de 2009

Canteiro Amarelo

O simples toque daquelas mãos já a estremeciam. Como se para fazer o coração desacelerar, tira com violência sua mão debaixo da outra. Inútil, seu coração parece querer dançar. Sente a face corando sob o olhar perplexo de quem à ama, sem entender tal reserva.
“Eu tenho medo”. Pensou em voz alta, deixando escapar a confissão. “Tenho medo de ter, de possuir uma pessoa só minha”. Em resposta ao desabafo, recebeu, no meio de sua fraqueza, uma flor. Colhida ali, naquela mesma hora, a pequena flor tão indefesa.
Enquanto o jardim perdia a mais amarela de suas filhas, a menina ganhava coragem, como se ter uma planta a poupasse do peso de possuir uma pessoa.
Então, pegou a mão que antes tinha abandonado, sorriu por dentro, ela tinha alguém.

30 de out. de 2009

Todo Fim

Como ousa dizer que não me manifestei? Acaso não vistes a forma que mordi o lábio inferior? Fez-se surda enquanto meus olhos gritavam, implorando para que ficasse mais um minuto? E agora me olha assim, condenando-me pelo fim?
É de remorso que minhas mãos tremem. Tão impotentes, já não podem mais te prender, não servem para impedir tua fuga. Enquanto o sol desce no céu, agarro-me a qualquer esperança ingênua de que o amargo dessa tarde passará assim que a lua branca e cheia iluminar este quarto, deserto sem tua presença.

26 de out. de 2009

Não

Ela se sentia desfalecer pouco a pouco. Como uma árvore que perde as folhas no outono, como um Ipê que era de um amarelo majestoso, aos poucos se transforma em um monte de gravetos. Frágil, pronta pra ser quebrada ao meio. Não que ela nunca tinha se quebrado, ou que nunca tivesse ficado cinza antes. Mas dessa vez ela sentia que não aguentaria.
Abafava seus gritos no travesseiro, torturava-se com o cheiro do cabelo da outra em sua fronha. Como acreditar que estavam caminhando para um fim? Como soltar aquela mão, sempre tão fria, e deixa-la ir? Não, ela não permitiria uma coisa dessas.

21 de out. de 2009

Onde Está Você?

Olho pra mim mesma, através do espelho, é tudo vazio. Pergunto-me o tempo todo onde está tudo que falta, onde estão todas as coisas do mundo. Onde está a mão que me segurava. Como posso querer enxergar o que já não existe mais? Talvez nem eu exista agora. Dentro de mim não sinto mais nada, nem calor, nem frio, tão pouco sangue correndo. Invejo a sua capacidade de sorrir, de viver e de fingir que nada aconteceu. Talvez você viva de tudo que levou de mim, viva da alegria que já não me pertence mais. Dos fins de tarde passeando com os cachorros pelo bairro. Das escapadas nas festas de família. Das madrugadas regadas de batatas fritas em qualquer boteco por aí. Dos sambas descalços depois de algumas cervejas a mais. E quanto a mim? Sufoco-me de todos os poemas que nunca recebi. De todos os planos para um amanhã que não chegará jamais.
Mantenho-me viva de seus grandes olhos amendoados. Respiro apenas o seu perfume de uvas. Alimento-me da forma bagunçada que você mantinha o cabelo. Do all-star sujo, dos braços pequenos, da forma como cruzava os braços quando eu bebia demais ou de como você gritava meu nome completo quando fingia estar brava por qualquer motivo pequeno.
O tom cinza do céu desses dias me faz querer voltar à época em que dávamos formas de animais inexistentes para as nuvens. Deito sozinha na grama, que já não me parece tão verde, apanho um desses dentes-de-leão ao meu redor, e por mais que eu assopre, com toda a força que ainda me resta, ele não se move. Imune a minha existência. Lembro do esforço inútil que tive, em dias felizes, de levá-los inteiros até o seu portão. O vento, tão mais inofensivo que eu, acaba com essas pragas brancas em menos de três segundos.
Caminho descalça na volta. O asfalto quente me queima. Só então me sinto de fato viva, porém ainda incompleta. Onde está você pra rir de mim enquanto me empresta suas sandálias? Onde? Mesmo hoje, eu continuo no mesmo lugar.

20 de out. de 2009

O Fim das Coisas Boas

De manhazinha o sol quente vem nos acordar. Olho para o lado e ela finge ainda dormir. Finge ainda me amar. Tento esconder dela o meu medo. Levanto-me devagar e em silêncio, porém ela me puxa de uma vez só para a cama de novo e, rindo, me enche de travesseiradas.
Caímos ambos na cama, exaustos e às gargalhadas. Exatamente igual há quando éramos adolescentes. Agora sou eu que finjo. Finjo não ver uma ou duas lagrimas escorrendo em seu rosto.
Ao se levantar, ela veste aquela minha camisa azul de algodão, bem velha, e um jeans desbotado. Amarra os cabelos, sorri e vai embora, sem dizer mais nenhuma palavra. Tomarei meu café sozinho, com a ilusão de um dia voltar a ve-la.

6 de out. de 2009

Ontem

Doce e temeroso. Questiono-me sobre o que há de ser isso que agora corre em minhas veias. Isso que meu coração tanto estranha não pode ser apenas sangue. Como me aperta o peito quando te vejo passar... Mesmo que distante assim.
Você já nem me nota mais. Faz jus ao seu orgulho. Efemeridade. Esconde de si o que sente. Priva-se de sorrir mais uma vez. E logo esquece, fingindo não ver o que de fato mal se podia notar. Sigo-te com olhar. Você se sente como quando eu mesma vigiava teu sono. Incomodo-te.
Só quando muito longe você para. Dor. Vira-se. Agonia. Fecha lentamente os olhos, abaixando um pouco o rosto e esboça um sorriso triste. Sufoco-me. Isso dentro de mim está à asfixiar-me... Isso que hoje me mata aos poucos é tudo que sobrou de você em mim. O que um dia foi doce e agora me cobre de temor dos pés a cabeça.

1 de out. de 2009

Não Sou.

Sou medo dos pés à cabeça. Como poderia eu ser outra coisa agora? Sem ti sou toda angústia. Minha pele guarda o toque dos seus dedos. Diante dos meus olhos ainda vejo os seus. Olhos grandes, que brilham, que não são nem negros nem azuis. Olhos coloridos, que vão do doce ao amargo em um piscar.
O cheiro de frutas do seu cabelo agora passeia solitário pela casa. Minha única companhia é a dor. Sinto falta do seu chá, sempre muito fraco e muito doce. Me falta seu nariz se contorcendo ao beber.
Apavoro-me tentando fugir das lembranças. Não consigo. Desespero-me. Sou só lembranças, memórias e passado. Só dor, sofrimento e desvairo. Sou o que resta do que um dia realmente fui. Sou toda você.

28 de set. de 2009

Não Vá Ainda

Não, não, não! Não vá agora, não vá embora, não é certo! Depois desses dias todos assim, vivendo de comida congelada e caricias constrangidas. Por que me deixar? Por mais que seja pra voltar no dia seguinte, por que ir embora? Por quê? Já que estávamos assim, tão íntimos, como se fossemos um casal comum, como se fossemos apenas um... Não posso aceitar o fato de passar a noite; mais uma noite, sozinha, no silencio do meu quarto, com meus discos velhos e livros mofados. Talvez você nem saiba, mas sonharei contigo. Imaginarei seus braços pesados sobre meu corpo durante o sono, como na última noite.
Ah! Como queria que você não fosse dessa vez. Só dessa vez. Não me contentarei com apenas o cheiro do seu cabelo no meu travesseiro. Essa noite vai fazer frio e o meu cobertor é fino demais pra me aquecer sozinho... Por favor, fique... Se quiser ficar...

22 de set. de 2009

O Que Eu Não Disse

Seus braços enlaçam o meu corpo. Posso sentir suas mãos se agarrando as minhas costas. Mãos frias, como sempre, como sempre foram, percorrem suavemente a minha pele. Com delicadeza tento arrumar seus cabelos. Procuro seus olhos por detrás de mechas listas e castanhas. Não me seguro ao vê-los, castanhos também, olhinhos pequenos, infantis, não me seguro e deixo escapar um sorriso tímido.
Desvio o olhar e me deparo com nossas pernas tão enroscadas que não saberia definir onde termina o meu corpo e começa o seu. Fazemos parte uma da outra. Assim, tão iguais, tão encolhidas, entrelaçadas e envolvidas em um canto qualquer dessa sala um pouco suja.
Ameaço dizer que te amo, mas me desarmo ao sentir o peso da sua cabeça sobre o meu ombro. Você não precisa me ouvir, você já sabe.

Um Domingo de Manhã

Ela, ao acordar, se depara com aquele rosto estranho, aquele corpo desconhecido. No criado mudo, ao lado da cama, pode ver cigarros, analgésicos e copos caídos. A dor no corpo é insuportável, o gosto amargo da noite passada insiste em não sair de sua boca. Tenta se lembrar do que aconteceu. Inútil. Só lhe vem à memória as luzes, a música alta, a multidão de pessoas, nada concreto, nada sólido.
Culpa-se, porém por apenas alguns segundos. Já não é a primeira vez que essa cena acontece. Sente-se envergonhada, promete para si uma mudança mesmo sabendo que não a irá cumprir.
Entrelaça as duas mãos nos próprios cabelos, sentada num canto da cama, deixa cair uma única lágrima, só uma, não mais que uma. Sozinha se levanta, abandonando o outro corpo que ainda dorme, tomando o caminho de um banho frio.

17 de set. de 2009

Vazio

As cinzas do meu cigarro caem em cima das minhas pernas, eu derramo meu café no chão. Já não sei mais que horas são, meu relógio está parado, minha cama está vazia, minha mão está sozinha. Às vezes sou surda, cega e muda. Às vezes até me esqueço de ser. E enquanto isso meu café esfria, meu cigarro termina. Em cada livro tem seu nome, sua voz está em todas as canções. Mas de repente todas as coisas doces ganham um quê de amargas. E esse frio atrás da nuca é só o vento. A propósito, hoje faz tanto frio que decidi parar com o café, parar de fumar e parar de pensar.

(escrito em 31/08/2009)

Queda

Sua respiração estava falha, quase não sentia mais seu corpo. Por um segundo, um piscar, ela caiu. Caiu de joelhos, porém dentro dela mesma. Sentiu seu orgulho escapando de suas mãos como se fosse areia fina da praia, como em um desses fins de tarde que o vento forte corta a pele.
Todo o reino que tinham construido juntos já não passava mais de um brinquedo para ele. Ah! Ele mudara tanto... Agora tinha as mãos frias e seus olhos o denunciavam. Enquanto ela, ainda menina, se negava a ler em seu corpo os sinais daquela outra mulher.
E então caiu em sí, uma queda sem fim, deixando sair pelos seus gritos tudo aquilo em que um dia ela acreditara.