28 de set. de 2009

Não Vá Ainda

Não, não, não! Não vá agora, não vá embora, não é certo! Depois desses dias todos assim, vivendo de comida congelada e caricias constrangidas. Por que me deixar? Por mais que seja pra voltar no dia seguinte, por que ir embora? Por quê? Já que estávamos assim, tão íntimos, como se fossemos um casal comum, como se fossemos apenas um... Não posso aceitar o fato de passar a noite; mais uma noite, sozinha, no silencio do meu quarto, com meus discos velhos e livros mofados. Talvez você nem saiba, mas sonharei contigo. Imaginarei seus braços pesados sobre meu corpo durante o sono, como na última noite.
Ah! Como queria que você não fosse dessa vez. Só dessa vez. Não me contentarei com apenas o cheiro do seu cabelo no meu travesseiro. Essa noite vai fazer frio e o meu cobertor é fino demais pra me aquecer sozinho... Por favor, fique... Se quiser ficar...

22 de set. de 2009

O Que Eu Não Disse

Seus braços enlaçam o meu corpo. Posso sentir suas mãos se agarrando as minhas costas. Mãos frias, como sempre, como sempre foram, percorrem suavemente a minha pele. Com delicadeza tento arrumar seus cabelos. Procuro seus olhos por detrás de mechas listas e castanhas. Não me seguro ao vê-los, castanhos também, olhinhos pequenos, infantis, não me seguro e deixo escapar um sorriso tímido.
Desvio o olhar e me deparo com nossas pernas tão enroscadas que não saberia definir onde termina o meu corpo e começa o seu. Fazemos parte uma da outra. Assim, tão iguais, tão encolhidas, entrelaçadas e envolvidas em um canto qualquer dessa sala um pouco suja.
Ameaço dizer que te amo, mas me desarmo ao sentir o peso da sua cabeça sobre o meu ombro. Você não precisa me ouvir, você já sabe.

Um Domingo de Manhã

Ela, ao acordar, se depara com aquele rosto estranho, aquele corpo desconhecido. No criado mudo, ao lado da cama, pode ver cigarros, analgésicos e copos caídos. A dor no corpo é insuportável, o gosto amargo da noite passada insiste em não sair de sua boca. Tenta se lembrar do que aconteceu. Inútil. Só lhe vem à memória as luzes, a música alta, a multidão de pessoas, nada concreto, nada sólido.
Culpa-se, porém por apenas alguns segundos. Já não é a primeira vez que essa cena acontece. Sente-se envergonhada, promete para si uma mudança mesmo sabendo que não a irá cumprir.
Entrelaça as duas mãos nos próprios cabelos, sentada num canto da cama, deixa cair uma única lágrima, só uma, não mais que uma. Sozinha se levanta, abandonando o outro corpo que ainda dorme, tomando o caminho de um banho frio.

17 de set. de 2009

Vazio

As cinzas do meu cigarro caem em cima das minhas pernas, eu derramo meu café no chão. Já não sei mais que horas são, meu relógio está parado, minha cama está vazia, minha mão está sozinha. Às vezes sou surda, cega e muda. Às vezes até me esqueço de ser. E enquanto isso meu café esfria, meu cigarro termina. Em cada livro tem seu nome, sua voz está em todas as canções. Mas de repente todas as coisas doces ganham um quê de amargas. E esse frio atrás da nuca é só o vento. A propósito, hoje faz tanto frio que decidi parar com o café, parar de fumar e parar de pensar.

(escrito em 31/08/2009)

Queda

Sua respiração estava falha, quase não sentia mais seu corpo. Por um segundo, um piscar, ela caiu. Caiu de joelhos, porém dentro dela mesma. Sentiu seu orgulho escapando de suas mãos como se fosse areia fina da praia, como em um desses fins de tarde que o vento forte corta a pele.
Todo o reino que tinham construido juntos já não passava mais de um brinquedo para ele. Ah! Ele mudara tanto... Agora tinha as mãos frias e seus olhos o denunciavam. Enquanto ela, ainda menina, se negava a ler em seu corpo os sinais daquela outra mulher.
E então caiu em sí, uma queda sem fim, deixando sair pelos seus gritos tudo aquilo em que um dia ela acreditara.