25 de jan. de 2011

Analgésicos e Baratas



E já eram tantas iguais aquela noite. Tantas ruas igualmente vazias. Tantas moças igualmente embriagadas. Tantos cigarros abandonados ainda pela metade. Assim era ela. Igual a tantas. Fazia o mesmo esforço de qualquer sábado à noite: equilibrar-se no salto, desviar dos mendigos, não derrubar a última cerveja e por fim, entrar na casa certa. Se mantinha seriamente concentrada nesta equação. Não sabia sequer pronunciar o nome daquela rua. Sua pele mudava de tom conforme se afastava de cada poste, da iluminação pública. Seu humor ocilava entre o terracota e amarelo ocre. Sentia mesmo que fazia parte daquele lugar. Como se súbito algo lhe arrematasse os sentidos. Sempre fora ignóbil, lasciva e até um pouco selvagem. Mas como que se dando conta de que ainda segurava uma mão, que tremia mesmo perante tamanho calor; apertando forte aquela mão, sentiu que não podia mais. Parou, tirou os sapatos. Vacilou. Acendeu mais um cigarro:

-Te levo pra casa. (Sou diferente, porra.)
-Não precisa. (Me desculpe.)
-Tudo bem, quero andar mesmo. (Eu te amo.)
-Tá. (És uma fraca de merda, isso que tu és.)

Ela nunca soube se era tão diferente quanto pensava. Seus lábios tingidos de rosa não lhe pareciam muito incomum. Até seu vestido todo puído não se destacava perante as poucas sombras andantes daquele lugar. Seu passo trôpego, seu cabelo desgrenhado, suas unhas roídas. Ostentava um enorme orgulho em ser absurdamente pertencente aquela paisagem. Mesmo sem ouvir qualquer palavra daquela despedida, sabia que no fundo, ele também pertencera aquela podridão. Ele também pertencera a ela. Mas esses tipos de moças não se deixam possuir. Por isso tomam aspirinas pela manhã, e esquecem-se de rostos, mãos, dívidas e jogos. Antes de entrar em casa, ela simplesmente nota que já é de manhã, e perdeu os sapatos no caminho. Quanto a ele, já nem se lembra mais da garota, que neste exato momento tranca os portões querendo que ele a siga vida a dentro.