30 de out. de 2009

Todo Fim

Como ousa dizer que não me manifestei? Acaso não vistes a forma que mordi o lábio inferior? Fez-se surda enquanto meus olhos gritavam, implorando para que ficasse mais um minuto? E agora me olha assim, condenando-me pelo fim?
É de remorso que minhas mãos tremem. Tão impotentes, já não podem mais te prender, não servem para impedir tua fuga. Enquanto o sol desce no céu, agarro-me a qualquer esperança ingênua de que o amargo dessa tarde passará assim que a lua branca e cheia iluminar este quarto, deserto sem tua presença.

26 de out. de 2009

Não

Ela se sentia desfalecer pouco a pouco. Como uma árvore que perde as folhas no outono, como um Ipê que era de um amarelo majestoso, aos poucos se transforma em um monte de gravetos. Frágil, pronta pra ser quebrada ao meio. Não que ela nunca tinha se quebrado, ou que nunca tivesse ficado cinza antes. Mas dessa vez ela sentia que não aguentaria.
Abafava seus gritos no travesseiro, torturava-se com o cheiro do cabelo da outra em sua fronha. Como acreditar que estavam caminhando para um fim? Como soltar aquela mão, sempre tão fria, e deixa-la ir? Não, ela não permitiria uma coisa dessas.

21 de out. de 2009

Onde Está Você?

Olho pra mim mesma, através do espelho, é tudo vazio. Pergunto-me o tempo todo onde está tudo que falta, onde estão todas as coisas do mundo. Onde está a mão que me segurava. Como posso querer enxergar o que já não existe mais? Talvez nem eu exista agora. Dentro de mim não sinto mais nada, nem calor, nem frio, tão pouco sangue correndo. Invejo a sua capacidade de sorrir, de viver e de fingir que nada aconteceu. Talvez você viva de tudo que levou de mim, viva da alegria que já não me pertence mais. Dos fins de tarde passeando com os cachorros pelo bairro. Das escapadas nas festas de família. Das madrugadas regadas de batatas fritas em qualquer boteco por aí. Dos sambas descalços depois de algumas cervejas a mais. E quanto a mim? Sufoco-me de todos os poemas que nunca recebi. De todos os planos para um amanhã que não chegará jamais.
Mantenho-me viva de seus grandes olhos amendoados. Respiro apenas o seu perfume de uvas. Alimento-me da forma bagunçada que você mantinha o cabelo. Do all-star sujo, dos braços pequenos, da forma como cruzava os braços quando eu bebia demais ou de como você gritava meu nome completo quando fingia estar brava por qualquer motivo pequeno.
O tom cinza do céu desses dias me faz querer voltar à época em que dávamos formas de animais inexistentes para as nuvens. Deito sozinha na grama, que já não me parece tão verde, apanho um desses dentes-de-leão ao meu redor, e por mais que eu assopre, com toda a força que ainda me resta, ele não se move. Imune a minha existência. Lembro do esforço inútil que tive, em dias felizes, de levá-los inteiros até o seu portão. O vento, tão mais inofensivo que eu, acaba com essas pragas brancas em menos de três segundos.
Caminho descalça na volta. O asfalto quente me queima. Só então me sinto de fato viva, porém ainda incompleta. Onde está você pra rir de mim enquanto me empresta suas sandálias? Onde? Mesmo hoje, eu continuo no mesmo lugar.

20 de out. de 2009

O Fim das Coisas Boas

De manhazinha o sol quente vem nos acordar. Olho para o lado e ela finge ainda dormir. Finge ainda me amar. Tento esconder dela o meu medo. Levanto-me devagar e em silêncio, porém ela me puxa de uma vez só para a cama de novo e, rindo, me enche de travesseiradas.
Caímos ambos na cama, exaustos e às gargalhadas. Exatamente igual há quando éramos adolescentes. Agora sou eu que finjo. Finjo não ver uma ou duas lagrimas escorrendo em seu rosto.
Ao se levantar, ela veste aquela minha camisa azul de algodão, bem velha, e um jeans desbotado. Amarra os cabelos, sorri e vai embora, sem dizer mais nenhuma palavra. Tomarei meu café sozinho, com a ilusão de um dia voltar a ve-la.

6 de out. de 2009

Ontem

Doce e temeroso. Questiono-me sobre o que há de ser isso que agora corre em minhas veias. Isso que meu coração tanto estranha não pode ser apenas sangue. Como me aperta o peito quando te vejo passar... Mesmo que distante assim.
Você já nem me nota mais. Faz jus ao seu orgulho. Efemeridade. Esconde de si o que sente. Priva-se de sorrir mais uma vez. E logo esquece, fingindo não ver o que de fato mal se podia notar. Sigo-te com olhar. Você se sente como quando eu mesma vigiava teu sono. Incomodo-te.
Só quando muito longe você para. Dor. Vira-se. Agonia. Fecha lentamente os olhos, abaixando um pouco o rosto e esboça um sorriso triste. Sufoco-me. Isso dentro de mim está à asfixiar-me... Isso que hoje me mata aos poucos é tudo que sobrou de você em mim. O que um dia foi doce e agora me cobre de temor dos pés a cabeça.

1 de out. de 2009

Não Sou.

Sou medo dos pés à cabeça. Como poderia eu ser outra coisa agora? Sem ti sou toda angústia. Minha pele guarda o toque dos seus dedos. Diante dos meus olhos ainda vejo os seus. Olhos grandes, que brilham, que não são nem negros nem azuis. Olhos coloridos, que vão do doce ao amargo em um piscar.
O cheiro de frutas do seu cabelo agora passeia solitário pela casa. Minha única companhia é a dor. Sinto falta do seu chá, sempre muito fraco e muito doce. Me falta seu nariz se contorcendo ao beber.
Apavoro-me tentando fugir das lembranças. Não consigo. Desespero-me. Sou só lembranças, memórias e passado. Só dor, sofrimento e desvairo. Sou o que resta do que um dia realmente fui. Sou toda você.