21 de out. de 2009

Onde Está Você?

Olho pra mim mesma, através do espelho, é tudo vazio. Pergunto-me o tempo todo onde está tudo que falta, onde estão todas as coisas do mundo. Onde está a mão que me segurava. Como posso querer enxergar o que já não existe mais? Talvez nem eu exista agora. Dentro de mim não sinto mais nada, nem calor, nem frio, tão pouco sangue correndo. Invejo a sua capacidade de sorrir, de viver e de fingir que nada aconteceu. Talvez você viva de tudo que levou de mim, viva da alegria que já não me pertence mais. Dos fins de tarde passeando com os cachorros pelo bairro. Das escapadas nas festas de família. Das madrugadas regadas de batatas fritas em qualquer boteco por aí. Dos sambas descalços depois de algumas cervejas a mais. E quanto a mim? Sufoco-me de todos os poemas que nunca recebi. De todos os planos para um amanhã que não chegará jamais.
Mantenho-me viva de seus grandes olhos amendoados. Respiro apenas o seu perfume de uvas. Alimento-me da forma bagunçada que você mantinha o cabelo. Do all-star sujo, dos braços pequenos, da forma como cruzava os braços quando eu bebia demais ou de como você gritava meu nome completo quando fingia estar brava por qualquer motivo pequeno.
O tom cinza do céu desses dias me faz querer voltar à época em que dávamos formas de animais inexistentes para as nuvens. Deito sozinha na grama, que já não me parece tão verde, apanho um desses dentes-de-leão ao meu redor, e por mais que eu assopre, com toda a força que ainda me resta, ele não se move. Imune a minha existência. Lembro do esforço inútil que tive, em dias felizes, de levá-los inteiros até o seu portão. O vento, tão mais inofensivo que eu, acaba com essas pragas brancas em menos de três segundos.
Caminho descalça na volta. O asfalto quente me queima. Só então me sinto de fato viva, porém ainda incompleta. Onde está você pra rir de mim enquanto me empresta suas sandálias? Onde? Mesmo hoje, eu continuo no mesmo lugar.

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