24 de jun. de 2010

Sem Vontade

Abriu lentamente os braços e sentiu um pouco de vida indo embora pela porta. Petrificada, só conseguia olhar para o corredor escuro, e agora vazio. Não se incomodava com o vento gelado que subia pelas escadas, e nem tão pouco com sua vizinha tocando violão. Seu maior desespero era fechar aquela porta, diante do nada.
O breu que tomava conta da entrada principal já tinha dominado toda a casa, e aos poucos ela foi perdendo seus sentidos. Não tinha mais paladar, o gosto amargo que restava em sua boca desapareceu. Imperceptivelmente, ficou cega e deixou de ver o futuro. Era muda fazia horas. Mas nunca ficou surda. Não podia deixar de ouvir aqueles passos duros de quem vai embora, mesmo sem querer.
Tinha vontade de gritar, sair correndo, ser invisível e até não existir. Mas o que mais ela poderia fazer, se a porta ainda estava aberta, e ela continuava lá, imune ao resto do mundo, mas estraçalhada diante de um vulto fugitivo. Procurava não achar resposta para tantos por quês.
Não podia mais ser mulher. Não podia mais ser.
Talvez minta quem não olhe nos olhos ao falar. Talvez até haja covardia demais para se encarar uma pessoa nos olhos. Então sentiu um pouco de dor, fechou a porta, e conseguiu respirar novamente.

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